Os judeus rejeitam o sionismo
Os judeus rejeitam o sionismo

Na cidade onde nasceu o sionismo, judeus rejeitam a sua própria criação

 

Em um movimento surpreendente e carregado de simbolismo, Viena, cidade onde, em 1896, Theodor Herzl lançou as bases do sionismo político moderno, se tornou palco de um inédito congresso judaico antisionista. Cerca de 500 participantes, incluindo judeus, ativistas, acadêmicos e aliados de diversas partes do mundo, reuniram-se no início de junho de 2025 para questionar a associação entre judaísmo e sionismo, uma ideia que, embora tenha surgido nesta mesma cidade, agora é rejeitada por muitos de seus próprios filhos.

Herzl, um jornalista e escritor judeu que residia em Viena, foi o principal idealizador do movimento sionista secular e nacionalista. Sua obra seminal, “Der Judenstaat”, defendia a criação de um Estado judeu como uma solução para a perseguição e a antissemita que assolavam os judeus europeus. Herzl escolheu Basileia, na Suíça, para realizar o Congresso Sionista de 1897, mas Viena permanece como o berço intelectual e histórico do movimento. Uma placa na primeira cidade destaca Herzl como o homem que teve a “ideia ousada” de fundar o Estado de Israel.

Entretanto, a própria cidade que deu origem ao sionismo também é palco de uma crescente rejeição a essa ideologia. O Congresso Judaico Antisionista, realizado sob sigilo, simboliza essa ruptura e revela uma transformação no pensamento de muitos judeus, especialmente os jovens, que hoje veem o sionismo como uma ideologia que perpetua divisões, racismo e exclusões.

Historicamente, o sionismo enfrentou resistências internas: religiosos que acreditavam que a retomada da Terra Santa deveria ocorrer apenas com a chegada do Messias, judeus assimilados que buscavam integração plena às sociedades europeias e trabalhadores que viam o movimento como uma distração da luta de classes. Segundo o professor de história Yavov Rabkin, esses opositores eram críticos à ideia de reunir judeus na Palestina antes do cumprimento de profecias religiosas, ou viam o sionismo como uma forma de reforçar o antissemitismo ao enfatizar diferenças étnico-nacionais.

Contudo, após o Holocausto e a criação de Israel em 1948, essa oposição foi fragilizada. Para muitos judeus, o medo de perseguição diminuiu, e a lealdade dupla – para países de origem e para a causa sionista – tornou-se menos relevante. Ainda assim, os jovens judeus, especialmente nos Estados Unidos, manifestam cada vez mais uma visão crítica ao sionismo, associando-o a políticas de apartheid, racismo e supremacia étnica, que consideram incompatíveis com uma visão de justiça social e direitos humanos.

Dalia Sarig, uma das organizadoras do Congresso, compartilhou sua trajetória de desilusão com o sionismo. Sua família fugiu de uma aldeia palestina antes da criação de Israel e retornou à Áustria após o Holocausto. Ela contou que, ao crescer, foi ensinada a aceitar o sionismo como um caminho inevitável para a sobrevivência judaica, mas que suas experiências em Israel, incluindo conversas com palestinos que sofreram expulsões, a fizeram questionar a ideologia que a uniu inicialmente.

“Eu via o sionismo como uma forma de reunir os judeus ao redor do mundo”, disse Sarig, “mas, na prática, percebi o quanto isso alimenta o racismo e a exclusão”. Para ela, a compreensão das histórias palestinas e a convivência com as dificuldades enfrentadas por outros povos, especialmente os palestinos, despertaram uma postura de resistência ao que ela chama de “ideologia racializada”.

O congresso, realizado em Viena, não foi isento de polêmica. O local exato do evento foi mantido em sigilo até poucos dias antes, diante de receios de resistência de grupos pró-Israel. A presença de uma minoria de apoiadores israelenses, incluindo uma mulher que afirmou que “antissionismo é igual a antissemitismo”, revelou o clima de tensão. Para esses grupos, qualquer crítica ao Estado de Israel é vista como uma ameaça à segurança dos judeus.

Por outro lado, os organizadores e participantes argumentam que o movimento não é antissemitismo, mas uma tentativa de separar a identidade judaica de uma ideologia estatal que, segundo eles, não representa todos os judeus. Eles afirmam que um Estado judeu não garantiu a segurança de todos os judeus, e que suas políticas têm causado sofrimento e deslocamento de palestinos.

A realização do Congresso Judaico Antisionista em Viena, cidade que testemunhou o nascimento do sionismo, simboliza uma mudança de paradigma na comunidade judaica mundial. Um número crescente de jovens judeus rejeita a narrativa oficial e busca uma compreensão mais crítica e pluralista de sua identidade.

Enquanto Herzl e seus seguidores imaginaram um Estado judeu como resposta à perseguição, hoje muitos questionam se essa solução foi realmente eficaz ou se perpetua uma lógica de segregação. A cidade onde tudo começou se torna, assim, um palco de reflexão e resistência, desafiando a narrativa histórica e propondo uma nova visão para o futuro do judaísmo e do povo palestino.

O Congresso Judaico Antisionista em Viena é um marco na discussão interna da comunidade judaica mundial. Ao rejeitar a associação automática entre judaísmo e sionismo, esses judeus buscam ampliar o debate sobre identidade, justiça e direitos humanos. Em um momento de tensões globais e regionais, essa voz questionadora revela que o passado não é imutável e que os caminhos para a convivência pacífica ainda estão sendo traçados, começando na própria cidade que deu origem ao movimento que mudou a história.

 

   

 

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