Origens do Hamas e a Estratégia de Israel
Em um cenário frequentemente distorcido pelos discursos oficiais e narrativas propagandísticas, é fundamental entender como o Hamas chegou ao poder e qual foi o papel de atores externos, especialmente de Israel, nesse processo. Este artigo busca dissociar fatos históricos de mitos e apresentar uma análise crítica do conflito, destacando as estratégias de manipulação e os interesses ocultos que sustentam a perpetuação da violência.
Nunca apoiei e nunca apoiarei o Hamas, mas se as pessoas não intenderem que é preciso separar o Hamas dos palestinos, elas nunca conseguiram entender que o Hamas não representa o povo palestino.
O Hamas tem suas raízes na Mujama Al-Islamiya, fundada pelo xeque Ahmed Yassin em 1978, como uma ramificação da Irmandade Muçulmana. Inicialmente registrada em Israel como uma organização de caridade, a organização evoluiu ao longo dos anos, publicando seu estatuto em 1988, que explicitamente defende a luta armada contra Israel e a criação de um Estado islâmico na Palestina. Desde o início, Israel demonstrou uma postura ambígua em relação aos grupos islâmicos, preferindo apoiá-los como contrapeso às forças seculares palestinas, em particular à Organização para a Libertação da Palestina (OLP) de Yasser Arafat.
No contexto da década de 1970, a estratégia israelense visava fragilizar a OLP ao apoiar organizações islâmicas, considerando-as uma força mais controlável e menos ameaçadora às suas políticas de ocupação. Essa política resultou na aproximação de Israel com o Hamas, que, em suas fases iniciais, se apresentava como uma alternativa ao nacionalismo palestino, promovendo uma agenda religiosa e social que acabou ganhando popularidade entre os palestinos desiludidos com a corrupção sob a liderança da Fatah e a Autoridade Palestina (AP).
Mudança de Plataforma e a Reação de Israel
Em 2004, Yassin declarou a disposição do Hamas de aceitar um Estado palestino ao lado de Israel, baseando-se nas linhas de 1967. Contudo, a resposta israelense foi o assassinato de Yassin, considerado um movimento estratégico para minar a direção política mais conciliadora do Hamas. Autoridades israelenses alertaram que o assassinato poderia fortalecer os extremistas, mas a decisão foi tomada com o objetivo político de manter o controle sobre o processo de paz e impedir qualquer reconhecimento formal da existência de Israel.
O "Desengajamento" de 2005 e o Controle Contínuo
O então primeiro-ministro Ariel Sharon implementou o chamado “plano de desengajamento”, que retirou os assentamentos israelenses de Gaza. Contudo, esse ato não encerrou a ocupação — Israel continuou a controlar fronteiras, espaço aéreo, vias marítimas e a administração do território. Assim, a narrativa de uma Gaza libertada é um mito; a região permanece sob forte controle israelense, que busca fragmentar os territórios palestinos e impedir a formação de um Estado viável.
A ascensão do Hamas ao poder, após vencer as eleições legislativas em 2006, e a subsequente expulsão do Fatah de Gaza, consolidaram a divisão interna palestina. Israel e seus aliados reagiram à vitória do Hamas com uma política de sanções, bloqueios econômicos e o isolamento diplomático, além de incentivos à repressão interna do movimento pelo Fatah na Cisjordânia. Essa estratégia buscava enfraquecer o governo eleito e justificar ações militares que devastaram Gaza ao longo dos anos.
A Verdadeira Natureza do Conflito e o Papel das Potências Ocidentais
Ao aprofundar-se na história, revela-se que a narrativa de que a ONU criou Israel é um mito que mascara a realidade de um processo de limpeza étnica iniciado em 1948, quando centenas de milhares de palestinos tiveram suas casas destruídas ou expulsas de suas terras. Os Estados Unidos, aliados históricos de Israel, reconheceram o Estado judeu imediatamente após sua declaração unilateral, ignorando os direitos da população árabe local.
A Guerra de 1967, que resultou na ocupação da Cisjordânia e Gaza, foi justificada por uma retórica beligerante do Egito e outros países árabes. No entanto, documentos de inteligência dos EUA indicam que Israel, com sua superioridade militar, era o principal agressor, e a justificativa de uma ameaça preventiva foi uma estratégia para legitimar a ocupação e a expansão territorial.
O Processo de Paz e a Realidade da Ocupação
Desde os Acordos de Oslo na década de 1990, o chamado “processo de paz” tem servido como uma ferramenta para manter o status quo de ocupação, negando o direito internacional e rejeitando a Resolução 242, que exige a retirada israelense das terras ocupadas. A política real de Israel sempre foi de expansão, fragmentação e controle, enquanto se negocia uma solução de dois Estados que, na prática, nunca foi implementada de forma genuína.
Benjamin Netanyahu, ao longo de seus governos, promoveu políticas de “desligamento” e de contenção do Hamas, usando a organização como um aliado estratégico para justificar ações de repressão e expansão territorial. Sua postura culminou na recente ofensiva em Gaza, que resultou em uma crise humanitária sem precedentes, alimentada por uma narrativa de justificativa militar e de segurança que mascara interesses políticos mais profundos.
O Conflito Atual e o Papel da Mídia
O episódio de 7 de outubro de 2023, quando grupos palestinos lançaram uma ofensiva contra Israel, foi utilizado pelo governo israelense para justificar uma campanha de genocídio em Gaza. Apesar do conhecimento prévio de ameaças, a liderança israelense optou por uma postura de cegueira, enquanto propagava narrativas de horror, incluindo alegações falsas de decapitações e estupros em massa, com o objetivo de obter apoio internacional para ações de limpeza étnica.
A mídia ocidental, sob influência de agendas sionistas, tem desempenhado um papel crucial na fabricação de consentimento para esses crimes, apresentando uma visão distorcida do conflito que favorece a narrativa de Israel como vítima e de palestinos como terroristas. Essa manipulação impede que a comunidade internacional tome medidas efetivas para proteger os civis e responsabilizar os responsáveis.
Responsabilidade Moral e o Futuro do Conflito
Diante desse cenário, é imperativo que a sociedade global reconheça a complexidade do conflito, desafie as narrativas oficiais e assuma uma postura de solidariedade com os civis palestinos, vítimas de um sistema de opressão sustentado por interesses estratégicos e políticos. O silêncio ou a conivência diante do genocídio em Gaza representam uma falha moral que pode perpetuar o ciclo de violência e desumanização.
Somente através do reconhecimento da verdade, do respeito ao direito internacional e do fim do apoio a políticas de ocupação e limpeza étnica, será possível abrir caminho para uma solução justa, duradoura e baseada na dignidade de todos os povos envolvidos.
Conclusão
A história do Hamas, a política de Israel e o papel das potências ocidentais revelam uma trama complexa de manipulação, interesses estratégicos e violações de direitos humanos. Desmistificar esses fatos é um passo fundamental para compreender o conflito e buscar alternativas que promovam a paz verdadeira, livre de interesses políticos e de violência sistemática. A responsabilidade moral de cada um de nós é agir em defesa da justiça e dos direitos do povo palestino, contra o silêncio cúmplice diante do genocídio que assola Gaza.