Bolsonaro, Trump e a Tentativa de Recolocar o Brasil no Império Americano
Ao longo da história, as relações entre os EUA e a América Latina sempre foram marcadas por uma dinâmica de poder desigual, interesses estratégicos e intervenções que muitas vezes ultrapassaram os limites da soberania dos países latino-americanos. No centro dessa relação, figuras como Bolsonaro e Trump representam, na atualidade, uma continuidade dessa tradição de tentativa de subjugação e controle, agora sob uma nova roupagem de alianças e estratégias geopolíticas. Este artigo busca analisar como esses dois líderes, apoiados por interesses americanos, estão tentando reestabelecer o Brasil como uma peça fundamental no império dos Estados Unidos, refletindo uma lógica imperial que permanece vigente até os dias atuais.
Desde o final do século XIX, a política externa dos Estados Unidos direcionou-se fortemente para consolidar sua influência na região latino-americana. A Doutrina Monroe, proclamada em 1823, foi o marco fundador dessa postura, afirmando que as Américas eram uma esfera de influência exclusiva dos EUA, com o objetivo de impedir qualquer intervenção europeia e consolidar uma hegemonia regional. Durante o século XX, essa política se traduziu em intervenções militares, golpes de Estado, apoio a regimes ditatoriais e manipulação de processos políticos, tudo com o objetivo de manter a região sob controle.
Durante as décadas de 1900 a 1980, episódios como a invasão da República Dominicana (1965), os golpes militares no Brasil (1964), Argentina (1976), Chile (1973), além do apoio ao regime de Pinochet, exemplificam essa estratégia de intervenção direta ou indireta. Essas ações tinham como base a premissa de proteger os interesses econômicos e estratégicos dos EUA, especialmente relacionados às empresas multinacionais, ao controle de rotas comerciais e à contenção do avanço do socialismo e do comunismo, representado inicialmente pela União Soviética e, posteriormente, pela China.
No entanto, mesmo com o fim da Guerra Fria, essa mentalidade imperialista não desapareceu. A política dos EUA na América Latina evoluiu para uma forma mais sutil, mas igualmente eficaz, de influência. Através de organismos multilaterais, programas de assistência econômica, cooperação militar e, muitas vezes, o simples apoio político a golpes e regimes favoráveis, os EUA continuam a moldar o destino político e econômico da região.
O Brasil, por sua extensão territorial, população e potencial econômico, sempre foi um ator de peso na América Latina. Contudo, sua história recente revela uma relação marcada por altos e baixos de autonomia e submissão. Desde o golpe militar de 1964, apoiado pelos interesses estadunidenses, até a eleição de líderes considerados mais alinhados às políticas de Washington, o país tem oscilado entre momentos de independência relativa e períodos de forte influência externa.
O suicídio de Getúlio Vargas em 1954, uma tentativa de evitar uma intervenção direta dos EUA, foi um momento emblemático. Já na década de 1960, a deposição de João Goulart, um presidente considerado por muitos como um reformista e nacionalista, foi orchestrada com apoio dos militares e da CIA. Assim, o Brasil foi, por décadas, uma peça chave na estratégia de contenção do avanço comunista e na preservação de interesses econômicos norte-americanos na região.
Nos anos mais recentes, a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva representou, para alguns, uma possibilidade de retomada de uma política mais independente, com ênfase no fortalecimento do BRICS e na diversificação de alianças internacionais. Contudo, o cenário político brasileiro permanece profundamente influenciado por interesses externos, especialmente pelos Estados Unidos, que veem o país como uma peça fundamental na manutenção de sua hegemonia regional.
Nos últimos anos, assistimos a uma intensificação dessa lógica imperial através de figuras como Jair Bolsonaro e Donald Trump. Ambos representam uma espécie de linha de continuidade na relação de submissão do Brasil ao império americano, mesmo com discursos de soberania e autonomia. Bolsonaro, com sua retórica nacionalista e conservadora, aparenta defender interesses internos, mas, na prática, suas alianças e políticas muitas vezes reforçam a influência dos EUA no país.
A aproximação de Bolsonaro com o Partido Republicano, sua relação estreita com figuras como Trump e sua postura favorável ao alinhamento com o bloco militar e econômico liderado pelos EUA indicam uma tentativa de recolocar o Brasil na órbita do império. Além disso, sua forte oposição ao Partido dos Trabalhadores e às políticas de esquerda reforçam uma narrativa de combate ao que ele chama de “marxismo cultural” e de defesa de interesses americanos na região.
Donald Trump, por sua vez, é o arquiteto dessa estratégia de reforço do domínio estadunidense na América Latina. Sua política de “America First” e a tentativa de reestabelecer a hegemonia dos EUA no continente, através de acordos bilaterais e pressão econômica, favorecem líderes como Bolsonaro. A parceria entre os dois, mesmo que de fachada, revela uma tentativa de criar uma frente unificada que possa garantir os interesses dos EUA na América do Sul, com o Brasil como peça-chave.
A estratégia é clara: consolidar uma nova onda de submissão, onde o Brasil volte a ser uma espécie de “filho da puta” oficial do império, como dizia-se na expressão atribuída a Roosevelt. Mesmo que Bolsonaro e Trump tenham visões diferentes em alguns aspectos, ambos compartilham a ideia de que o Brasil deve permanecer sob a influência dos EUA, com o controle de suas políticas econômicas, militares e diplomáticas.
Apesar dessa tendência de alinhamento, há também forças internas que defendem uma maior autonomia do Brasil e a diversificação de suas alianças internacionais. A crescente presença do Brasil no grupo dos BRICS, sua participação em projetos de cooperação Sul-Sul e o fortalecimento de uma política externa independente representam uma resistência a essa tentativa de recolonização.
Entretanto, essa resistência é fraca diante do peso das forças econômicas e militares dos EUA, além do aparato de inteligência e das corporações transnacionais que continuam a exercer influência significativa sobre o país. A disputa entre esses interesses é o que define o cenário atual, onde o Brasil se encontra numa encruzilhada entre seguir uma rota de independência ou retornar ao controle quase absoluto de Washington.