A Guerra como Remédio e Ferramenta de Poder
A Guerra como Remédio e Ferramenta de Poder

 

A Guerra como Remédio e Ferramenta de Poder: Análise do Perfil Militar e Econômico do Governo Trump

Randolph Bourne, célebre pensador americano, afirmou que “a guerra é a saúde do Estado”, uma frase que revela como os conflitos armados muitas vezes funcionam como uma válvula de escape ou um remédio para problemas internos de um país. No entanto, uma análise mais aprofundada demonstra que, na prática, a guerra também pode ser um antídoto barato e rápido quando o próprio Estado adoece. Esta lógica tem se mostrado evidente na política do governo de Donald Trump, que, apesar de se apresentar como uma figura anti-intervencionista, acabou promovendo uma infusão de gastos militares com objetivos econômicos, políticos e de manutenção do poder.

Desde sua posse em 20 de janeiro de 2017, Trump dirigiu sua atenção para uma estratégia que busca estabilizar a economia por meio do aumento dos gastos com defesa, criação de empregos no setor militar e extração de recursos no exterior. Essa abordagem representa uma continuidade de uma linha de política que remonta às fundações do Estado norte-americano, passando por figuras como Dwight D. Eisenhower, que alertou para os perigos do “complexo militar-industrial”. Trump, ao invés de reverter ou reformar esse sistema, aprofundou sua influência, ampliando o orçamento de defesa e fortalecendo o papel das corporações militares e tecnológicas.

Um elemento central dessa estratégia é o enfraquecimento das forças armadas dos EUA, que, segundo investigações recentes, incluindo minhas próprias análises, sofreram uma deterioração em competência técnica, moral e equipamento. Essas crises são atribuídas, erroneamente, por alguns setores, às políticas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI); na verdade, elas decorrem do domínio de cinco grandes fabricantes de armas, que controlam contratos com o Pentágono desde os anos 1990. Essas corporações, ao concentrar suas operações e instalar ex-funcionários como negociadores e burocratas, criaram uma estrutura que prioriza a mitigação de riscos e o lucro em detrimento do treinamento eficaz dos soldados e da aquisição de armamento de alta qualidade.

Um caso emblemático dessa crise foi a queda de um bombardeiro B-1 em janeiro de 2024, um fracasso avaliado em mais de US$ 450 milhões, resultado direto da concentração corporativa e da burocracia que a sustenta. Essas “planilhas eletrônicas”, termo utilizado por fontes próximas ao tema, representam uma metáfora para a mecanização e desumanização do aparato militar, iniciado na era Clinton e perpetuado até os dias atuais. A solução para essa crise só viria com uma reforma estrutural que limitasse a influência dos fornecedores privados sobre o planejamento e as operações militares, mas tal proposta não está na agenda atual do governo Trump.

A relação entre o poder militar e o apoio político também é evidente na colaboração silenciosa de figuras da tecnologia, como Elon Musk, Jeff Bezos, Mark Zuckerberg e Peter Thiel, que, nos últimos anos, passaram a influenciar o setor de defesa para atender aos interesses de grandes corporações e do próprio governo. Essa aliança, que visa rentabilizar contratos militares e ampliar a capacidade de vigilância, é complementada por gastos bilionários, como o “Big Beautiful Bill”, que prevê cerca de US$ 150 bilhões para defesa, elevando o orçamento quase a US$ 1 trilhão, com uma fatia significativa destinada aos cinco principais fabricantes de armas.

Essa estratégia de estimular a economia por meio do aumento do gasto militar não é nova. Ela remete à política de “economia de gotejamento” de Ronald Reagan, que durante a Guerra Fria incentivou o crescimento econômico através de investimentos militares. Atualmente, a geração de empregos no setor de defesa ainda é significativa, embora seja altamente dependente de contratos com fornecedores e subcontratados, beneficiando especialmente trabalhadores americanos e imigrantes, enquanto o desperdício, a ineficiência e os riscos aumentam.

No cenário internacional, o envolvimento com o Irã exemplifica como o uso de gastos militares também serve a propósitos políticos e econômicos. A manutenção de uma presença militar na região visa garantir contratos de defesa, proteger interesses econômicos e reforçar alianças estratégicas, como o apoio a Israel. Além disso, a possibilidade de uma intervenção militar contra o Irã, embora justificada pela narrativa de segurança, também funciona como uma tática de reforço político interno, apresentando o governo como forte e capaz de agir decisivamente, mesmo que as operações sejam limitadas ou simbólicas.

O militarismo, nesse contexto, também atua como uma ferramenta de distração e de legitimação para a ausência de reformas internas. A realização de um desfile militar, operações rápidas no exterior e o aumento do orçamento de defesa funcionam como símbolos de força sem a necessidade de mudanças profundas na estrutura de poder. Enquanto isso, reformas substantivas permanecem estagnadas, e o controle sobre gastos e políticas internas é diluído em um discurso de forte liderança.

Historicamente, essa estratégia de utilizar gastos com defesa para sustentar o poder tem se mostrado eficaz para as elites americanas. Desde 1945, recessões econômicas têm sido acompanhadas por aumento nos gastos militares, considerados um recurso “seguro” para injetar dinheiro na economia, muitas vezes sob a justificativa de segurança nacional. A atual administração de Trump, assim como seus predecessores, se apoia nesse padrão para justificar investimentos elevados, mesmo que os benefícios reais sejam questionáveis e os custos, elevadíssimos.

Em suma, a política de Trump revela uma continuidade do uso do militarismo como ferramenta de poder, economia e distração. Os empregos gerados, os contratos bilionários e a narrativa de força externa mascaram uma crise interna de eficiência, moral e inovação nas Forças Armadas. Além disso, a estratégia reforça o papel das corporações militares e tecnológicas, que se beneficiam de uma estrutura que privilegia interesses privados e políticos em detrimento de uma defesa eficaz e de uma política externa mais racional. Como veremos em análises futuras, esse modelo de militarismo e gastos de defesa, ao invés de fortalecer o país, cria guerras internas e externas que contribuem para o desgaste do tecido social e institucional dos Estados Unidos.

 

   

 

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